domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os indígenas do Maranhão

Quando chegou ao Maranhão no início da década de 50, Antônio Vieira ocupava o cargo de Geral dos Jesuítas. As primeiras impressões que teve da situação espiritual desta terra não foram das melhores, em carta ao príncipe D. Teodósio, relata:

O desamparo e necessidade espiritual que aqui se padece é
verdadeiramente extremo; porque os gentios e os cristãos
todos vivem quase em igual cegueira, por falta de cultura e
doutrina, não havendo que catequize nem administre
sacramentos: havendo, porém, quem cative e quem tiranize,
o que é pior, quem o aprove; com que portugueses e índios
todos se vão ao inferno. [VIEIRA apud BULCÃO, 2008, p. 126]

A missiva enviada ao rei D. João IV também mostrou suas preocupações em relação ao Maranhão:

Os moradores deste novo mundo, que assim se pode chamar, ou
são portugueses ou índios naturais da terra. Os índios, uns
são gentios que vivem nos sertões, infinitos no número e
diversidade de línguas; outros são pela maior parte
cristãos, que vivem entre os portugueses. Destes que vivem
entre os portugueses uns são livres, que estão em suas
aldeias; outros são parte livre, parte cativos, que moram
com os mesmo portugueses, e os servem em suas casas e
lavouras, e sem os quais eles de nenhuma maneira se podem
sustentar. [VIEIRA apud BULCÃO, 2008, P. 126/127]

O trecho do documento que acabamos de ler nos indicam algumas considerações importantes. Primeiro, Vieira admite haverem "dois tipos" de índios: os gentios - os que vivem nos sertões - e os que vivem entre os portugueses e participam do cotidiano destes. A partir de então temos de esclarecer estes "dois tipos" de indígenas. Os que ocupavam a faixa litorânea deste país que mais tarde seria denominado de Brasil, foram os que receberam em primeira mão o contato com os europeus, os Tupinambá (nome que se refere aos grupos indígenas do grupo linguístico Tupi). Os que viviam mais para o sertão são os não-tupi, os tapuia (palavra que designa o indígena não-tupi e que geralmente pertencem ao grupo linguístico Jê).

Compreendido este ponto passaremos para as denúncias que o Pe. Vieira fez em relação aos índios ao próprio Rei.
1)os maus tratos que os portugueses davam aos indígenas que trabalhavam em suas casas;
2)as entradas para captura de índios em "guerra justa", que segundo o padre eram cenas por demais violentas.

Segundo Vieira a questão dos maus tratos aos naturais da terra, era uma falta de respeito aos mandamentos divinos, o que só se resolveria com o envio de mais religiosos. A questão do cativeiro seria solucionada com a declaração da liberdade dos indíos e o fechamento dos sertões aos caçadores além da troca de governadores que fechassem os olhos para o trabalho forçado que os indígenas exerciam nas lavouras de tabaco.
Imaginem os conflitos que tais denúncias e soluções causaram na sociedade local!! Grande parte dos desafetos de Vieira é dessa época. Mais informações no próximo post.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Vieira no Maranhão


Corria o ano de 1697 e depois de 89 anos dedicados ao serviço de Deus e do rei de Portugal, falece Antônio Vieira. À beira da morte e já com o corpo deteriorado pelas doenças provenientes da idade e do contato bruto com a natureza quase "selvagem" do Brasil, a luta de Vieira, nos últimos anos de sua vida, era pela conclusão de seus sermões e dos demais escritos.
"Surdo, cego e quase sem voz, incapacitado de escrever com as próprias mãos", ainda lhe restavam algumas forças para sair em defesa dos índios. O alvo eram os caçadores de escravos guaranis de São Paulo e os jesuítas rendidos aos interesses dos paulistas.
Aos índios dedicou mais de uma década de sua vida. Só no Maranhão e Grão-Pará passou quase 10 anos. Nesse tempo ergueu 16 igrejas e fazia o catecismo em sete línguas diferentes.
Quando chegou ao estado do Grão-Pará e Maranhão a região era ainda uma criança no que diz respeito a organização colonial portuguesa. Abrangia o a Amazônia e o atual estado nordestino e estava entrando aos poucos na esfera governamental lusitana.
Foi em 1653 que Vieira chega ao Maranhão com plenos e amplos poderes em relação ao trato com o indígena, ele era agora o Geral dos Jesuítas. A labuta no entanto era grande. Falava-se naquelas terras uma infinidade de línguas diferentes, chegando a comparar a foz do Amazonas com a Torre de Babel.
Vieira passou quase toda a década de 50 do século XVII na missionação dos índios do Maranhão e Grão-Pará. Essa foi, sem dúvida a época mais conflituosa da sua vida. A legião de desafetos crescia à medida que lutava pela efetiva salvação dos indígenas, sucesso que só viria dando um basta no apetite voraz dos colonos da região, que utilizavam-se da mão-de-obra indígena para todas as atividades econômicas locais como o trato com a cana-de-açúcar, o arroz, algodão e tabaco bem como os produtos conhecidos como "drogas do sertão", o cacau, cravo, baunilha, gergelim, canela, castanha, salsaparilha, tartaruga e seus ovos e o peixe-boi, bem como as madeiras que já eram exploradas: cedro, pau-roxo, pau-amarelo, jacarandá e outras. Como se pode perceber, sem o braço indígena não havia Maranhão!
Ao longo de 40 anos os colonos haviam destruídos mais de 400 aldeias. As soluções para os problemas com os indígenas foram sendo apresentados pelo jesuíta ao longo da década de 50 em cartas ao rei e mesmo nos sermões.
O próximo post trará um pouco das denúncias feitas por Vieira e as soluções apontadas por ele para o "bom" relacionamento entre colonos, indígenas e jesuítas. Até lá! :D

Referência: BULCÃO, Clóvis. Pe. Antônio Vieira: Um esboço biográfico. Rio de Janeiro, José Olympio, 2008.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Operários de uma vinha estéril: Os Jesuítas e a Conversão dos Índios no Brasil (1580-1620)


Charlotte Castenau-L’Estoile, pesquisadora do mundo ibérico e América colonial, atualmente é professora da Université Paris-X Nanterre. A obra que agora apresento é fruto de seu doutorado defendido na L'École des Hautes Études en Sciences Sociales no ano de 1999 sob orientação de Bernard Vincent.

Trata-se nada menos de uma das mais importantes colaborações no que diz respeito ao estudo da Companhia de Jesus no período que vai de 1580 a 1620. A autora se propõe a fazer um estudo detalhado. Lançando mão do olhar dialético, procura perceber esta instituição por dentro ressaltando sua historicidade, por isso afasta-se da visão dualista (e um tanto maniqueísta) que a historiografia tem sugerido à Companhia de Jesus durante tanto tempo. Isso significa que neste estudo o importante não é atentar para a questão da eficácia ou não da catequização indígena por parte dos jesuítas, interessa-o muito mais perceber o que significava para o missionário do século XVII a salvação das almas, a conversão de "selvagens". “Que significa buscar sua salvação [a salvação do missionário] procurando a dos outros?” (p. 17). Buscar o significado de converter indígenas no século XVI é também investigar o fundamento da identidade jesuíta e os esforços que a Companhia de Jesus, enquanto instituição histórica, teve de fazer para assegurá-la frente à especificidade do nativo do Brasil. Especificidade esta que obrigou a própria Companhia de Jesus a se redefinir, bem como ao seu método de conversão, implantando as missões em substituição à pregação itinerante.


Este "gigante" de mais de 600 páginas pode e deve ser incluído como bibliografia obrigatória para os que se interessam pela experiência missionária da Companhia de Jesus no Brasil.

Referência:
CASTENAU-L'ESTOILE, Charlotte. Operários de uma vinha estéril: Os Jesuítas e a Conversão dos Índios no Brasil (1580-1620). Tradução Ilka Stern Cohen. Bauru, Edusc, 2006, 628 p.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Os brasis e o jesuíta: os povos indígenas nos escritos do padre Antônio Vieira


Este é o título do projeto no qual estou trabalhando atualmente. O projeto é financiado pelo CNPq/UFPB e está sob coordenação da Profª Drª Regina Célia Gonçalves. Divide-se em dois planos de pesquisa sendo que estes se completam num todo orgânico. O plano que me compete analisa o discurso central sobre os indígenas nos sermões do padre Vieira, já o outro pesquisador, João Aurélio Pires Travassos Júnior, trata de analisá-lo junto aos escritos instrumentais.

O projeto abrange a década de 50 do século XVII, quando o padre Antônio voltou-se inteiramente à cuidar dos assuntos referentes a catequização indígena, portanto os sermões que estão sendo analisados são também desse recorte cronológico. Selecionamos cinco sermões para comporem o corpus documental principal desta pesquisa, são eles: Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654), Sermão da Sexagésima (1655), Sermão da Primeira Oitava da Páscoa (1656), Sermão do Espírito Santo (1657), e Sermão da Epifania (1662). Todos eles consultados através dos dois tomos organizados por Alcir Pécora (São Paulo, Hedra, 2001).

Aguardo dos "vieiristas" sugestões e críticas quanto a escolha do corpus documental ou mesmo quanto ao tema.

Estamos em fase de andamento e os resultados vou apresentando aos poucos por aqui! O próximo passo a ser postado é a identificação da bibliorgrafia utilizada, vale a pena conferir!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Tudo se ilumina à luz do passado"




Falaremos de um bom filme e Uma vida iluminada é um desses que não podemos deixar de conferir [lembrando a tod@s que não sou crítica de cinema, a interpretação que faço é pela possível utilização em sala de aula]! A primeira impressão pode ser de estranheza mas é impossível não se encantar com os cenários, as cores e a trilha sonora nada menos que belíssimos.

Além disso o filme nos dá possibilidade de reflexão sobre o trabalho do historiador, um colecionador que vai em busca do passado sempre motivado pelas problemáticas do presente com o objetivo de explicá-lo. De uma forma poética, trata do encontro (e dos embates) do presente com o passado e de como este influencia nossas vidas e nossas escolhas. O historiador, em seu afã, cuida da análise do passado e reconhece que este está sempre presente "pelo avesso", "de dentro para fora, de fora para dentro". É de grande valia ainda, prestar atenção nos diálogos cheios de significação, eles dão a ponte para os debates!

Vale a pena conferir e trabalhar com ele como ferramenta para as aulas de história nos ensinos fundamental, médio ou mesmo no superior! Fica a dica!

A ficha técnica:
# título original:Everything is Illuminated
# gênero:Drama
# duração:01 hs 40 min
# ano de lançamento:2003
# site oficial:http://wip.warnerbros.com/everythingisilluminated/
# estúdio:Warner Independent Pictures / Stillking Films / Telegraph Films / Big Beach Productions
# distribuidora:Warner Bros.
# direção: Liev Schreiber
# roteiro:Liev Schreiber, baseado em livro de Jonathan Safran Foer
# produção:Peter Saraf e Marc Turteltaub
# música:Paul Cantelon
# fotografia:Matthew Libatique
# direção de arte:Martin Vackar
# figurino:Michael Clancy
# edição:Andrew Marcus e Craig McKay
[Fonte:http://www.adorocinema.com/filmes/vida-iluminada/]

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Quem conhece Antônio Vieira?

Era março de 2008. Uma tarde quente, típica do verão de João Pessoa, em uma das salas do DECOM (Departamento de Comunicação) na UFPB. Estava eu participando do Encontro Regional dos Estudantes de História que ocorreu nessa universidade. Na ocasião, apresentando um trabalho sobre Antônio Vieira, meu objeto de estudo desde 2006 quando ingressei no curso de História da UFPB! Bom... tudo iria bem se não fosse o comentário da coordenadora do Grupo de Trabalho no qual estava apresentando sobre o meu trabalho, lembro-me inclusive das vírgulas que usou: "...e quanto ao seu trabalho (referindo-se ao meu) não sei, nunca percebi a relevância de se estudar Vieira. Pra que estudar Vieira?"

Pode parecer simplório mas essa indagação (que achei de muito mal gosto :P) me rendeu dias e dias de inquietações e dúvidas. Primeiro, como um padre tão importante durante o século XVII e que foi, inclusive, peça chave nas negociações que envolveram o destino do Brasil com os "holandeses", tem uma posição tão pálida na história do país??? Segundo, porque tão poucos historiadores se debruçam sobre homem que me encantou desde o primeiro sermão???

Um ano depois me vem às mãos o esboço biográfico de Clóvis Bulcão homônimo ao nome do grande padre. Ele responde essas primeiras perguntas (sim, por que dessas surgiram outras e outras).
Primeiro) A palidez do lugar que ocupa deve-se ao tipo de ensino de História que temos nas escolas, ou seja, o modo como aprendemos sobre o passado colonial do Brasil. Sobre o século XVII detemos nosso olhar na produção açucareira e no início da colonização. Além disso outros dois padres também da Companhia de Jesus ocupam espaços maiores ofuscando o pe. Vieira: Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. O primeiro fundador das cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo e o segundo largamente conhecido por utilizar o teatro como ferramenta para catequização de indígenas.
Segundo) Antônio Vieira tem sido tratado como objeto quase que exclusivo dos estudiosos da literatura e da filosofia... poucos historiadores se arriscam ao mundo vieirino, talvez pela vastidão de sua obra!!!

Uma pena!
Continuo tentando seguir esses passos que para mim são tão laboriosos mas ainda assim prazerosos!

Indico: BULCÃO, Clóvis. Padre Antônio Vieira: Um esboço biográfico. Rio de Janeiro, José Olympio, 2008.